Foto de Dani Almeida/jan 2009
FELIPE HARPO- Conheci Débora Almeida
na apresentação do seu espetáculo solo Sete Ventos aqui em Salvador. Aliás,
monólogo estupendo, lindo de se ver, texto ótimo, bom humor e drama
equilibrados, participação da platéia sem constrangimento da mesma, tudo de
muito bom gosto. Logo depois do espetáculo, aconteceu um bate papo com a atriz,
onde a platéia teve contato com uma pessoa doce, engajada, com sorriso largo,
conquistou todo mundo no primeiro momento. Em meio a tantas atividades que faz
e a folia do Carnaval, Débora nos concedeu essa entrevista. Nela revela seu
processo de criação, sua carreira e sua visão sobre o teatro brasileiro e
também é claro sobre cultura negra. É provocada e provoca de volta, como toda
guerreira que domina as tempestades...
FELIPE HARPO- Sete Ventos é um monólogo teatral
baseado em depoimentos de mulheres negras e no mito de Iansã. Nele voce está
como atriz, mas também como produtora, diretora, pesquisadora e dramaturga.
Nesta experiência o que trouxe da Cia dos Comuns para abrilhantar o trabalho em
Sete Ventos?
DÉBORA ALMEIDA- Na Comuns eu fiz de tudo porque na
Comuns a gente faz de tudo. Lá o ator é estimulado a não ficar somente na
posição de intérprete. A gente improvisa, pesquisa, produz, inclusive o Cobra
(diretor da Cia) ressalta o tempo todo como isso é importante, no sentido, de
sermos donos da nossa arte, atores em todos os sentidos. Cada um, além de ator,
acaba se destacando mais em um ou vários lados e, como eu experimentei de tudo,
acabei estando em todos os setores do espetáculo naturalmente. A experiência de
ter passado pela Comuns me possibilitou dar vazão a outras potencialidades que
eu já tinha, mas que estimulava pouco ou timidamente.
FELIPE HARPO- Você também é professora de teatro em
escola da rede pública de ensino no Rio de Janeiro. Temos a concepção de que o
trabalho neste setor é sempre ensinar. Mas o que de lá traz de conhecimento com
seus alunos para a sua carreira como atriz e produtora profissional?
DÉBORA ALMEIDA- Costumo dizer que as crianças de
sala de aula apontam sempre uma nova possibilidade, apontam sempre algo que dialoga
com o teatro contemporâneo, pois explodem todas as convenções teatrais, e isso
é muito bom, pois apontam novas possibilidades, como, por exemplo, a relação
com a plateia. Elas já trazem a proposta para assuntos pesquisados por vários
artistas sem saber, sem teorias, baseadas na vida que está acontecendo ali
naquele momento. É incrível. As crianças não deixam o meu olhar ficar parado,
olhando em uma só direção. Elas sacodem o tempo todo e isso, para o artista, é
muito bom.
FELIPE HARPO- Como foi o processo de construção do
monologo Sete Ventos? O texto, as personagens, o artifício de se dirigir...
DÉBORA ALMEIDA- Foi uma pesquisa iniciada ainda em
2008. Eu estava pesquisando para o mestrado e o foco era: Iansã e Teatro negro.
A pesquisa sobre o universo feminino me acompanha desde o desde o meu primeiro
espetáculo na Comuns. No meio do caminho resolvi fazer um espetáculo,
queria experimentar o que estava pesquisando. Daí, aliei à pesquisa teórica a
pesquisa prática, com laboratório prático, improvisando na cena com base no que
eu estudava e produzia teoricamente. Daí começou a surgir o texto. Eu
improvisava, escrevia um texto baseado no improviso e depois voltava para a
cena para ver se o que foi escrito servia. Comecei a organizar as cenas
criadas nos temas que eu queria tratar e daí fui organizando o texto. Com o
passar do tempo, comecei a chamar os outros artistas da ficha técnica.
Primeiramente a Aduni, que quando viu que eu já tinha uma pesquisa e toda a
noção estética do que eu queria me disse que somente eu poderia dirigir o
espetáculo, pois já sabia tudo o que queria fazer. Daí, a Aduni se propôs a
fazer a supervisão teatral. Depois fui trazendo os outros artistas,
falando sobre o trabalho e a pesquisa. Em 2009 dei um prazo para tudo ficar
pronto e resolvi estrear.
FELIPE HARPO- Em Sete Ventos é um dos poucos
espetáculos que vi com temática negra em que o humor está presente como
característica intrínseca do espetáculo. E um humor saudável! Muitos
espetáculos tocam na “questão” do negro de forma séria, dramática... Por que
escolheu o humor para compor as personagens negras que faz no palco?
DÉBORA ALMEIDA- Interessante você me falar isso,
porque nunca vi o humor no espetáculo dessa forma, nem penso que seja uma
comédia. E o humor não foi uma escolha, ele simplesmente veio porque eu sou
assim: penso muito sério e ajo com seriedade e também com humor, e em Sete
Ventos você vê a tragédia e a comédia juntos. Eu sou assim. Daí a minha obra só
poderia ser assim também. Mas não acredito no humor com uma função de simples
entretenimento distanciado da realidade, isso é alienação e submissão ao que já
está posto. O humor distancia com o riso, mas te faz pensar sobre o ridículo da
situação em que nos encontramos e como somos ridículos em aceitarmos. Há
situações relacionadas às questões negras que são tão surreais que parecem
piada, mas são verdadeiras e doloridas. Por que eu rio de uma mãe desesperada
dizendo que os filhos claros que ela tem são filhos dela sim? Porque o racismo
não nos dá o direito de sermos diversos da imagem comum do negro, e isso é doloroso.
A forma mostrada pode até causar algum riso, mas quando paramos de rir vemos o
quanto isso é doloroso, não é engraçado. A gente até pode rir, mas quando
a tonteira causada pelo riso passa, dá vontade de chorar. Quando eu era criança
nunca achei engraçado as minhas vizinhas me xingarem e se valerem da cor negra
“mais clara” do que a minha para isso, e isso me causava dor. Causa riso no
teatro porque é ridículo e nós vivemos em uma sociedade que permite que vários
ridículos aconteçam. Mas o ridículo não é engraçado, é pior do que a tragédia.
Essa é, inclusive, a diferença entre o humor e a tragédia. A tragédia nos faz
chorar momentaneamente, a gente acha lindo e depois vai para casa com a
sensação de alívio “Opa, chorei, mas já passou.”, a comédia te pões contra a
parede e te faz perguntar “Por que eu gargalhei diante de algo tão sério? O que
eu vou fazer com isso agora?” Mas eu nem vejo tanto humor assim no espetáculo,
vejo que há cenas de humor da mesma forma que há cenas trágicas. Não compus o
espetáculo pensando nisso, meu foco principal era falar da mulher negra e
contar as suas histórias. Me baseei na vida, e a vida é trágica e cômica a todo
o tempo.
FELIPE HARPO- Vemos muitos espetáculos com atores
negros no Brasil diretamente ligados a temática negra... Ou seja, a sua
cor importa dentro da trama. Existem casos como o de Lázaro Ramos, ele fez
espetáculos/filmes que sua cor está isenta no palco ou no texto. No cinema/teatro
norte americano vemos casos de atores e atrizes que fazem papéis que não são
necessariamente escritos para negros... Atualmente como se constrói, para voce,
o lugar do ator negro na dramaturgia brasileira?
DÉBORA ALMEIDA- Quem está construindo o lugar do
ator negro na dramaturgia brasileira é o artista negro porque os outros
artistas, em sua maioria, não pensam nem que existem pessoas negras, quem dirá
atores negros, lembram somente quando o personagem é um bandido que vai passar
batido lá atrás da cena, porque se o bandido for o protagonista ele vai ser
branco. A invisibilidade do negro na sociedade brasileira se reflete na
dramaturgia e na arte, de forma geral. A gente não está representado em lugar
nenhum, só em lugares gerenciados por nós. Vi uma revista feminina famosa dia
desses, folheei do início ao fim e não tinha um negro, nem em propaganda.
E o pior: o editorial de moda era no Caribe, mas a modelo era branca feito uma
folha de papel. Os negros apareciam como papel de parede das fotos. É assim que
os brancos nos veem: como papel de parede para as histórias deles. Para eles
isso é normal, pois já tem o espaço deles garantido há séculos. O que está
mudando é o que está sendo imposto pelas leis criadas pelo segmento negro e que
a maioria dos não negros critica, pois não quer perder o seu espaço.
Agora, não existe essa história de ator negro descolado da cor negra. O
adjetivo racial sempre aparece porque há um lugar onde a sociedade nos colocou
e quer que continuemos, mesmo que prosperemos economicamente. Isso faz com que
um personagem negro, mesmo sendo de classe média alta tenha em alguma parte da
sua estória um traço que eles, o brancos, consideram característico do povo
negro, como um pai alcoólatra, um irmão bandido ou viciado, mesmo quando o
estigma não está no personagem negro, ele acompanha a vida do personagem
através de algum parente próximo. É o “pé na senzala”, a mensagem intrínseca
que diz “Você está aqui, mas não é um de nós. Seu passado te condena”. Ou “Você
não é bom o suficiente, pois a sua história é um desastre”. E o pior é que quem
escreve acha que está sendo legal, pois está descrevendo uma historia
tipicamente negra, pois todo negro passa por isso, “Toda família negra é
assim”, pensam. O racismo é tão normal entre a gente, que ninguém nem pensa que
descrever um negro sempre com passado de banditismo também é racismo, acha que
é normal. Eu não tenho um pai que bate na minha mãe, não tem bandido e nem
viciado na minha família, meu pai era advogado e eu sou negra. Existem famílias
negras assim também, somos normais. Esse foi o principal motivo que me
impulsionou a produzir Sete Ventos, para mostrar que somos normais e que a
bebida que está sobre a nossa mesa nem sempre é cachaça, como gostam de
mostrar, pode ser água, pode ser café. As nossas histórias, as de nossas
famílias são bonitas e tem que ser contadas por nós, temos uma gênese digna de
reis e rainhas, de pessoas boas e quando algo de ruim nos acontece não é porque
somos de sementes ruins, haverá uma explicação histórica para isso , pois somos
seres humanos e vivemos uma história, e no caso do povo negro, fomos retirados
de nossa terra e trazidos cativos e escravizados para o Brasil, mas a nossa
história tem mais de 5 mil anos de riqueza e realeza, sabedoria e mitologia, e
não somente 500 anos de escravidão que querem nos jogar pela goela abaixo.
FELIPE HARPO- Você tem experiências em teatro,
televisão, cinema, produção, ensina teatro, é pós graduada em Arteterapia em
Educação e Saúde. O que
de uma experiência você leva para a outra, complementando ou até melhorando as
suas varias identidades artísticas?
DÉBORA ALMEIDA- E ainda sou escritora e militante
negra! Tudo faz parte da mesma identidade, mas minha formação primeira é ATRIZ
e essa é o carro chefe. Todas as minhas formações vieram por causa do teatro e
uma coisa veio puxando a outra. Eu só fazia teatro adulto, um dia fiz teatro
infantil e me encantei com as crianças, daí quis ensinar teatro também. Também
precisa me sustentar. Depois, o magistério me mostrou que se eu buscasse outras
informações, minha prática em sala melhoraria, daí fui cursar Arteterapia em
Educação e Saúde. A produção veio como uma necessidade de me apropriar do meu
trabalho, porque ser ator no Brasil é complicado e ser ator negro, é mais
complicado ainda. O bom disso tudo é que eu fico com uma visão macro da
coisa, não fico só no meu mundinho. Saber o que está sendo feito no teatro e
estar produzindo teatro, estar conectada com a política, ser militante negra,
me ajuda a orientar melhor os meus alunos e o olhar deles me ajuda a entender o
que está sendo construído hoje. O exercício da escrita é contínuo, pois tenho
que produzir para o teatro e para a sala de aula. Como atriz, depois que eu
comecei a produzir me senti mais forte, pois agora eu tenho o volante nas mãos.
Mas a maior contribuição foi a entrada na Militância Negra, a consciência de
quem sou e do que sou feita, onde estou e de com quem eu posso contar me
fortalece todos os dias antes de sair de casa, na rua e quando eu volto, porque
ser negro no Brasil, é muito difícil. A cada minuto você tem um problema para
resolver.
FELIPE HARPO- No espetáculo Sete Ventos você
provoca muito o público. Começa logo o espetáculo perguntando “que cor tem meus
olhos?”, “Como é o meu cabelo”... E quando a resposta não é condizente com a
real cor, textura daquilo que se refere?... Você está falando de um cabelo que
é considerado ruim, uma pele que é dita como morena... Como o publico reage a
esta parte do espetáculo?
DÉBORA ALMEIDA- Já teve gente até chorando com as perguntas, que parecem tão simples, né? Tem gente que fica com medo de me magoar dizendo que eu sou negra, acham que vou ficar ofendida, mesmo sabendo que é um espetáculo baseado em depoimentos de mulheres NEGRAS. Mas a intenção é essa mesma, colocar em questão o que mais incomoda: me chamar de negra, dizer que meu cabelo é crespo, que a minha pele é negra.É discutir em trânsito o assunto. Isso faz o espectador repensar os seus paradigmas. Muita gente pira porque descobre que sempre foi uma pessoa legal, mas com atitudes racistas. É para desconstruir mesmo. Teve um dia em que o movimento negro estava em peso no meu espetáculo, estava lindo. Daí um cara me chamou de morena, o pessoal começou a falar na hora, eles começaram a discutir. Eu achei ótimo! É isso aí. Porque o racismo se combate no cotidiano. No dia a dia, as pessoas tem medo de chamar alguém da minha cor de negra, logo também terão no espetáculo. Ao falar disso no espetáculo eu pergunto por que do medo da minha cor. Daí, o espelho que me reflete, reflete também o pensamento da plateia.
Espetáculo Sete Ventos. Foto de Zezzynho Andrade/maio 2010
FELIPE HARPO- Você mora em um estado que é polo da
teledramaturgia no Brasil. Muito mais que São Paulo. E é almejado por muitos
atores brancos/negros fora deste circuito. Qual a real situação do ator negro
no Rio de Janeiro? Dá para sonhar com carreira tranqüila, digna e com bons
papéis?
DÉBORA ALMEIDA- Negro na Tv brasileira, com raras
exceções, só faz papel de bandido, empregado ou escravo, passa por detrás da
pilastra e dá um texto monossilábico, pronto, e mesmo quando a novela é sobre
escravidão o personagem principal é branco. Na TV, nem a nossa história
está nas nossas mãos. Para que isso mude, é preciso educar muito quem está lá
dentro, pois a classe média alta, que é quem comanda a TV ainda tem uma visão
muito estereotipada sobre o negro brasileiro. Temos também que rever os papéis,
nossas famílias são sempre desestruturadas, com homens alcoólatras, mulheres
submissas ou sexualizadas e filhos entregues à bandidagem. Chega, né. Agora,
ator nenhum, nem preto, nem branco pode sonhar que vai ser tudo fácil, porque
isso é pra uma minoria. Para o negro é pior, pois na tv, enquanto lançam um
ator branco por semana, um ator negro é lançado somente a cada uma década
(quando é), e a gente não tem gente nossa no comando, com direito de voz e com
uma visão mais engajada. Daí, a gente faz como todo grupo de excluídos
faz: nós criamos a nossa própria forma de produzir. Só que para isso precisamos
de dinheiro, e ele ainda está nas mãos de alguns brancos. A gente já está
avançando e outros lados, tem o Lázaro na TV Brasil, por exemplo, mas é em uma
TV fechada.
FELIPE HARPO- Vemos muito o discurso de que fazer
arte no Brasil não é fácil. E realmente não é. Para uma atriz negra então fácil
é que não deve ser. Em seu currículo muitos de seus trabalhos são de exaltação
e respeito à cultura negra. Mas sei que o que é oferecido na maioria das
vezes é justamente o contrário. E logo este contrário subalterno dá dinheiro.
Como é viver nesta dicotomia da arte no Brasil?
DÉBORA ALMEIDA- Olha, eu tenho uma grande sorte na
minha vida, digo sorte porque muitos negros não sabem o que é isso e exatamente
porque não sabem, vão morrer se odiando, querendo alisar o cabelo, se achando
errados, querendo nascer de novo e voltar branco. Eu tenho o Movimento Negro na
minha vida e isso me dá o espelho que serve para eu me ver e me proteger, meu
espelho é imagem refletida com a beleza da história do meu povo e o escudo que
me protege. Novamente eu digo: o movimento negro me mostra quem eu sou, onde eu
estou e com quem eu posso contar e é isso que me alimenta. Não sou filiada a
nenhum partido e nem de nenhum movimento com nome e sobrenome, mas faço teatro
negro, estou em um fórum de arte negra, estou no movimento cultural negro e sou
filha de Oyá. Isso me dá força para aceitar somente papéis que eu considero
dignos para uma atriz negra brasileira, porque eu sei que um ator negro em cena
representa toda uma população. Agora, não sou mulher maravilha, muitas vezes
fico casada e penso que o melhor seria estar alienada a tudo, ganhando o meu
vil metal. Mas basta pegar o telefone e ligar para um de meus pares, artistas
negros que conheci na militância negra, que tudo volta a “escurecer”. Ainda bem
que eu tenho o movimento negro na minha vida, ainda bem que eu tenho meus
amigos artistas negros militantes na minha vida, ainda bem que eu fui da
Comuns, que eu tenho o Cobrinha, sou filha da minha mãe Dalva e neta da minha
avó Aurea, irmã de Daniela, filha de Francisco, tendo como amigas e amigos
pessoas que estão ao meu redor celebrando e lutando .
FELIPE HARPO- Em Sete Ventos, uma de suas
personagens é advogada que diz que não ficou rica, pois defende casos de
racismo, pessoas negras... Como você vê a relação entre artista e público
consumidor de arte negra no Brasil?
DÉBORA ALMEIDA- Ela ainda não ficou
rica porque não vendeu a sua ideologia, está trabalhando defendendo pessoas
negras, em sua maioria trabalhadores discriminados e pessoas simples, e essas
não vão pagar um milhão. E ela acompanha essas pessoas, orienta sobre o que
farão com o dinheiro da indenização. Seu trabalho é de defesa de direitos e
educação. A comunidade negra está querendo consumir cultura negra e gosta
quando isso acontece, mas, nós artistas negros esbarramos com algo que é o
nosso maior empecilho: a falta de dinheiro. Temos grandes artistas negros, mas
precisamos de dinheiro para trabalharmos. É preciso que se pense a arte negra
no âmbito das políticas públicas, ou seja, precisamos de editais específicos
para as nossas expressões e precisamos ter uma melhor entrada nos editais de
cultura e arte já existentes, ter pessoas na comissão julgadora que entendam de
arte negra e não nos classifiquem como projeto social ou folclore. Outro
problema grave é a falta de mídia. Esse é o item mais caro de um projeto
cultural e o que dá mais trabalho para implementar. Não temos ainda uma boa
entrada na mídia oficial porque acham que a gente é específico demais ou nos
taxam de racistas ao contrário. E ainda tem a falta de vontade, o preconceito.
“Ah, é peça de preto reclamando, é peça de orixá”. Brecht também reclama, mas
como é branco pode, né. Paixão de Cristo pode, mas candomblé não pode. Por que?
Porque o racismo diz que a religião de matriz africana é errada e que o estado,
que deveria ser laico, pode e deve difundir ideologias cristãs, pois o
pensamento da maioria que cultua as religiões cristãs diz que o certo é o mundo
todo ser cristão, que temos que ter um Deus único, que são os único certos. O
negro quer se ver em cena sim, mas para que isso aconteça é necessário que o
artista negro tenha condições para produzir e difundir o seu trabalho, e com
uma verba digna, não com um dinheiro que vai pagar meio cachê para a equipe
obrigando todos a terem outras fontes de renda além do ofício de ser artista.
Queremos igualdade no direito de expressarmos nossa arte e realizamos nosso
trabalho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário